Para que se levantar

Juan Manuel Guerrera
7 min readAug 29, 2023

“O que é un homem rebelde? Um hommem que diz não”
Albert Camus

Até hoje, fazia dias que não me levantava. Talvez semanas ou até meses, não tenho certeza. Afundado no sem sentido, também havia perdido o interesse em contabilizar a passagem do tempo.

O porquê de não me levantar era muito claro: não tinha motivo para isso. Essa mesma explicação, no entanto, não era simples nem convincente. Por muito tempo eu me levantei, apesar de não ter motivos para justificar isso.

Quando digo que não me levantava, quero dizer aquilo que qualquer um pode imaginar. De manhã, quando o despertador tocava, simplesmente o desligava e ficava na cama. Às vezes continuava dormindo, às vezes enrolando e às vezes procurando motivos para me levantar. Esses três estados se alternavam e se fundiam de várias maneiras, especialmente pela manhã. À medida que o dia avançava e o sono passava, a enrolação continuava, mas, sobretudo, crescia a busca de motivos para me levantar. E não conseguia encontrá-los.

Depois de vários dias assim, parei de programar o despertador.

Com ou sem despertador, passava o dia inteiro na cama. Claro que, com o passar das horas, não tinha mais escolha a não ser me mexer para ir ao banheiro ou comer alguma coisa, forçado pelas necessidades físicas mais básicas. Também necessitava me alongar um pouco, já que tantas horas de prostração acabavam sobrecarregando o pescoço ou as costas. De vez em quando, perambulava pela casa sem um critério preciso ou sentava em uma das cadeiras enquanto me perdia olhando pela janela. Outras tarefas essenciais, como receber pedidos de comida ou levar o lixo para fora, também me obrigaram a sair da cama daquela maneira superficial e inevitável que não alterava em nada a passividade fundamental na qual eu havia escolhido me estabelecer.

Além do fato de eu ter colocado os pés no chão, ter ficado em cima deles e andado um pouco pela casa, é justo dizer que não me levantei. O que realmente estava acontecendo era que eu estava me estendendo dacama, como um braço faz quando é esticado para longe do corpo. Sempre fazia isso de pijama, pantufas e enrolado em minhas cobertas. Era uma pequena nave de reconhecimento, deixando a nave mãe e se aventurando em uma vida após a morte bastante próxima por alguns minutos; ou um satélite preso na gravidade da estrela camística principal; ou uma verdadeira cama ambulante, filha e dependente da principal. Depois dessas humildes expedições, voltava para a cama e me entregava mais uma vez à busca de pelo menos uma justificativa que me permitisse me pôr de pé, mas de verdade.

Se me aprofundo nesses detalhes, não é para perder tempo, mas para buscar a compreensão pelo caminho mais longo para o inverso.

A imagem, devo admitir, era deprimente. No entanto, não me sentia deprimido. Ou, pelo menos, não sentia vontade de morrer. Pelo contrário, me sentia extremamente vivo; além disso, fazia anos que não me sentia tão vivo. Não queria deixar de viver, muito pelo contrário, queria viver plenamente. É por isso que estava me afastando do mundo exterior e de minha vida equivocada nele. Isso não significava estar bem, mas era um ponto de partida imbatível. Muito pior era estar mal e, além disso, sentir-se à beira da morte.

Os deprimidos muitas vezes não admitem sua depressão. Era possível que eu estivesse deprimido, além do que acabei de dizer. Se fosse esse o caso, as consequências relativas não variavam muito. Não estava mais deprimido do que antes, quando ainda me levantava. Simplesmente jogado na cama, minha vida era consistente com aquele estado. Tinha assumido. Havia incorporado minha possível depressão e a vivia plenamente. Já não estava fugindo dela. Eu não ia continuar fingindo que não precisava de motivos para me levantar. E se estava, aqueles que eu havia inventado eram insuficientes.

Isso era muito difícil para os outros compreenderem.

Meus empregadores, por exemplo, acharam não só incompreensível, mas também inaceitável.

— Bom dia Juan, faz três dias que você não vem à empresa e não temos notícias suas.

— É verdade, peço desculpas, mas apenas pela falta de notícias.

— Por que você não está vindo?

— Não vou mentir pra vocês. Não tenho motivos para me levantar. Nem, muito menos, ir à empresa.

— Olha que interessante. Você tem um compromisso assumido, nós estamos lhe pagando e você está prejudicando seus colegas. Soa como razões muito boas para mim.

— Para mim não, embora eu realmente sinta muito.

— Você precisa de dinheiro para viver, talvez isso lhe pareça melhor.

— Não, de fato, me parece pior.

— Ah, fenomenal. O senhor não necessita dinheiro para viver.

— Tenho algumas economias. Espero que, em poucos meses, eu tenha encontrado uma razão para me levantar.

— Juan, não podemos esperar por você «alguns meses». E muito menos por isso.

— Eu sei.

— Nós vamos ter que te despedir.

— Adiante.

A economia geralmente é a primeira a perceber quando as coisas vão mal. É muito difícil enganá-la, embora milhões de pessoas obstinadas ainda continuem tentando.

As mães costumam ser as segundas. Só consegui enganar minha mãe um pouco mais. A notícia chegou rapidamente à sua percepção todapoderosa e, provavelmente mais cedo ainda, ao seu ouvido todo-poderoso. Alguns dizem que as mães sempre compreendem. Outros dizem que nunca. A minha, pelo menos neste caso, não compreendia.

— Juani, você não está bem, você não consegue me enganar.

— É verdade… não estou bem. Faz muito tempo que não estou bem.

— Mas agora você deixou o trabalho. Isso é grave.

— Sempre foi grave.

— Estou preocupada.

— Você sempre está preocupada. Como você pode ver, nada mudou.

— Não seja mau, Juani.

— Olhe pelo lado positivo: agora, pelo menos, sabemos.

— Vou ver você.

— Não, por favor, isso não.

— Então direi ao Tio para ir.

— Não, mãe, te peço que… mãe, oi, oi…

O Tio era o doutor Mosquera, o clássico médico amigo da família. Na verdade, ele era amigo da minha mãe, mas depois de ouvir falar dele por anos nas mesas da família, era muito difícil fazer essa diferença. Ouvira detudo: seus diagnósticos, suas opiniões sobre os mais diversos assuntos, suas idas a congressos e até os altos e baixos de seus parentes. Eu sabia mais sobre Julia María e Darío Abelardo Mosquera — seus filhos — do que sobre meus primos, algo sem dúvida aterrorizante, especialmente para os jovens Mosquera se eles descobrissem (aliás, o nome Abelardo, embora fosse o segundo, sempre me pareceu imperdoável ; pobre Darío).

O Doutor Mosquera era psiquiatra. Havia atendido a mãe da minha mãe — minha avó — por vários anos. Ele a havia ajudado a lidar com uma doença terminal. E também tinha dado conselhos e apoio à minha mãe. Era um grande profissional, embora se comprometesse (e se intrometesse) demais. Eu sabia que nas próximas horas receberia sua visita não requerida e indesejada.

A campainha tocou. Levantei-me enrolado nos meus cobertores, muito desgrenhado, e abri a porta. A imagem séria, elegante e provedora do Doutor Mosquera apareceu diante de mim. «Bom dia, Doutor Mosquera.” Apesar dos meus desejos mais primitivos, deixei ele entrar. Esse homem, afinal de contas, ajudou minha avó e minha mãe com uma vocação invejável.

Sentamos à mesa, embora eu preferisse deitar na cama e conversar com ele de lá

— O que foi, Juani?

— Me chamo Juan.

— Sim, me perdoe, é assim que sua mãe te chama quando conversamos.

— …

— Sua mãe me disse que você está mal. A julgar pelo que vejo, ela não está muito errada.

— É certo. O que não lhe disse é que antes, quando não estava assim, eu também estava mal.

— E por que você está assim?

— Não sei para que levantar.

— Que novidade! Ninguém sabe para que se levanta. É disso que se trata a vida, precisamente, continuar se levantando apesar do sem sentido, apesar de tudo. E se você acredita em Deus, precisa saber que Ele tem um plano para nós, mesmo que às vezes não o entendamos.

— Não creio em Deus. E estou procurando razões, não um plano incompreensível.

— E o que você vai fazer nesse meio-tempo? Vai ficar aqui até encontrá-los, como Pascal?

— Sim.

— E se as razões estiverem fora?

— Nesse caso, vou procurá-las.

— Muito bem. Não acho que você está deprimido, mas sim um pouco pateta. Vou deixar-lhe o meu número e se achar que posso ajudá-lo, como médico ou como pessoa, me ligue.

— Certo, obrigado.

Com caligrafia impenetrável, o Doutor Mosquera escreveu seu número em um pedaço de papel e o deixou sobre a mesa. Fiquei de pé. Sempre enrolado nas minhas cobertas, fui até a porta e a abri para que o Doutor Mosquera pudesse sair. «Adeus, Doutor Mosquera». Pateta, que filho da puta.

Minha mãe acreditava em Deus. E, logo depois, acreditava no Doutor Mosquera. O diagnóstico médico a aliviou e, como resultado, conseguiu me deixar em relativa paz pelas semanas que se seguiram.

Essa calma recuperada, feita da ausência de diálogos e interrupções, permitiu-me voltar ao meu estado meditativo, sempre sustentado pela cama.

Senti, senti e senti. Refleti, refleti e refleti. Imaginei, imaginei e imaginei.

Desde então, um tempo imensurável se passou.

Mas as coisas mudaram. Como deixei transluzir na primeira linha, hoje me levantei. Fiz a barba, tomei banho e vesti minhas melhores roupas. Saí para tomar café da manhã. Olhei para as pessoas. Aproveitei o sol e as árvores. Sorri. Acreditei no futuro. A razão que me permitiu esta renovada convicção é frágil, possivelmente efêmera e talvez até errada, mas é também um refúgio para seguir em frente. Claro que posso revelar. Está diante de você. E este é o seu ponto final.

Traduzido por Luca Dutra
dutraluca11[at]gmail.com
Versão original (em espanhol)

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Juan Manuel Guerrera

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